É o que demonstram documentos aos quais O GLOBO teve acesso. Eles
foram coletados por Edward Joseph Snowden, técnico em redes de
computação que nos últimos quatro anos trabalhou em programas da NSA
entre cerca de 54 mil funcionários de empresas privadas subcontratadas -
como a Booz Allen Hamilton e a Dell Corporation.
No mês passado,
esse americano da Carolina do Norte decidiu delatar as operações de
vigilância de comunicações realizadas pela NSA dentro e fora dos Estados
Unidos. Snowden se tornou responsável por um dos maiores vazamentos de
segredos da História americana, que abalou a credibilidade do governo
Barack Obama.
Os documentos da NSA são eloquentes. O Brasil, com
extensas redes públicas e privadas digitalizadas, operadas por grandes
companhias de telecomunicações e de internet, aparece destacado em mapas
da agência americana como alvo prioritário no tráfego de telefonia e
dados (origem e destino), ao lado de nações como China, Rússia, Irã e
Paquistão. É incerto o número de pessoas e empresas espionadas no
Brasil. Mas há evidências de que o volume de dados capturados pelo
sistema de filtragem nas redes locais de telefonia e internet é
constante e em grande escala.
Criada há 61 anos, na Guerra Fria, a
NSA tem como tarefa espionar comunicações de outros países, decifrando
códigos governamentais. Dedica-se, também, a desenvolver sistemas de
criptografia para o governo.
A agência passou por transformações
na era George W. Bush, sobretudo depois dos ataques terroristas em Nova
York e Washington, em setembro de 2001. Tornou-se líder em tecnologia de
Inteligência aplicada em radares e satélites para coleta de dados em
sistemas de telecomunicações, na internet pública e em redes digitais
privadas.
O governo Obama optou por reforçá-la. Multiplicou-lhe o
orçamento, que é secreto como os de outras 14 agências americanas de
espionagem. Juntas, elas gastaram US$ 75 bilhões no ano passado, estima a
Federação dos Cientistas Americanos, organização não governamental
especializada em assuntos de segurança.
Outro programa amplia ação
A
NSA tem 35,2 mil funcionários, segundo documentos. Eles informam também
que a agência mantém “parcerias estratégicas” para “apoiar missões” com
mais de 80 das “maiores corporações globais” (nos setores de
telecomunicações, provedores de internet, infraestrutura de redes,
equipamentos, sistemas operacionais e aplicativos, entre outros).
Para
facilitar sua ação global, a agência mantém parcerias com as maiores
empresas de internet americanas. No último 6 de junho, o jornal “The
Guardian” informou que o software Prism permite à NSA acesso aos
e-mails, conversas online e chamadas de voz de clientes de empresas como
Facebook, Google, Microsoft e YouTube.
No entanto, esse programa
não permite o acesso da agência a todo o universo de comunicações.
Grandes volumes de tráfego de telefonemas e de dados na internet ocorrem
fora do alcance da NSA e seus parceiros no uso do Prism. Para ampliar
seu raio de ação, e construir o sistema de espionagem global que deseja,
a agência desenvolveu outro programas com parceiros corporativos
capazes de lhe fornecer acesso às comunicações internacionais.
Um
deles é o Fairview, que viabilizou a coleta de dados em redes de
comunicação no mundo todo. É usado pela NSA, segundo a descrição em
documento a que O GLOBO teve acesso, numa parceria com uma grande
empresa de telefonia dos EUA. Ela, por sua vez, mantém relações de
negócios com outros serviços de telecomunicações, no Brasil e no mundo.
Como resultado das suas relações com empresas não americanas, essa
operadora dos EUA tem acesso às redes de comunicações locais, incluindo
as brasileiras.
Ou seja, através de uma aliança corporativa, a NSA
acaba tendo acesso aos sistemas de comunicação fora das fronteiras
americanas. O documento descreve o sistema da seguinte forma: “Os
parceiros operam nos EUA, mas não têm acesso a informações que transitam
nas redes de uma nação, e, por relacionamentos corporativos, fornecem
acesso exclusivo às outras [empresas de telecomunicações e provedores de
serviços de internet].”
Companhias de telecomunicações no Brasil
têm esta parceria que dá acesso à empresa americana. O que não fica
claro é qual a empresa americana que tem sido usada pela NSA como uma
espécie de “ponte”. Também não está claro se as empresas brasileiras
estão cientes de como a sua parceria com a empresa dos EUA vem sendo
utilizada.
Certo mesmo é que a NSA usa o programa Fairview para
acessar diretamente o sistema brasileiro de telecomunicações. E é este
acesso que lhe permite recolher registros detalhados de telefonemas e
e-mails de milhões de pessoas, empresas e instituições.
Para
espionar comunicações de um residente ou uma empresa instalada nos
Estados Unidos, a NSA precisa de autorização judicial emitida por um
tribunal especial (a Corte de Vigilância de Inteligência Estrangeira),
composto de 11 juízes que se reúnem em segredo. Foi nessa instância, por
exemplo, que a agência obteve autorização para acesso durante 90 dias
aos registros telefônicos de quase 100 milhões de usuários da Verizon, a
maior operadora de telefonia do país. Houve uma extensão do pedido a
todas as operadoras americanas - com renovação permanente.
Fora
das fronteiras americanas, o jogo é diferente. Vigiar pessoas, empresas e
instituições estrangeiras é missão da NSA, definida em ordem
presidencial (número 12333) há três décadas.
Na prática, as
fronteiras políticas e jurídicas acabam relativizadas pelos sistemas de
coleta, processamento, armazenamento e distribuição das informações. São
os mesmos aplicados tanto nos EUA quanto no resto do mundo.
Todo tipo de informação armazenada
Desde
2008, por exemplo, o governo monitora com autorização judicial hábitos
de navegação na internet dentro do território americano. Para tanto,
exibiu com êxito um argumento no tribunal especial: o estudo da rotina
online de “alvos” domésticos proporcionaria vigilância privilegiada
sobre a prática online cotidiana de estrangeiros. Assim, uma pessoa ou
empresa “de interesse” residente no Brasil pode ter todas as suas
ligações telefônicas e correspondências eletrônicas - enviadas ou
recebidas - sob vigilância constante. A agência armazena todo tipo de
registros (número discado, tronco e ramal usados, duração, data hora,
local, endereço do remetente e do destinatário, bem como endereços de IP
- assim como sites visitados). E faz o mesmo com quem estiver na outra
ponta da linha, ou em outra tela de computador.
Começa aí a
vigilância progressiva pela rede de relacionamento de cada interlocutor
telefônico ou destinatário da correspondência eletrônica (e-mail, fax,
SMS, vídeos, podcasts etc.). A interferência é sempre imperceptível:
“Servimos em silêncio” - explica a inscrição numa placa de mármore
exposta na sede da NSA em Washington.
Espionagem nesse nível, e em
escala global, era apenas uma suspeita até o mês passado, quando
começaram a ser divulgados os milhares de documentos internos da agência
coletados por Snowden dentro da NSA. Desde então, convive-se com a
reafirmação de algumas certezas. Uma delas é a do fim da era da
privacidade, em qualquer tempo e em qualquer lugar. Principalmente em
países como o Brasil, onde o “grampo” já foi até política de Estado, na
ditadura militar.
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